Bibliografia de Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".

domingo, 15 de abril de 2012

Analise do poema aniversário de Fernando Pessoa

Aniversário


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...




     A não distribuição uniforme dos versos e a despreocupação com a distribuição rítmica dão ao poema um tom confessional, aproximando-o de um texto em prosa. As lembranças relatadas no texto referem-se a uma data específica lembrada pelo eupoético - o dia do aniversário.
    A primeira e a segunda estrofe falam do passado do eu poético :
  
     - tempo da infância feliz ;
     - da alegria partilhada pela família;
     - da inocência e da despreocupação;

    Estas  estrofes estão no Pretérito Imperfeito do Indicativo porque exprime um tempo passado que teve duração, a duração da infância ;

    Na terceira estrofe verso 3 e 4 diz respeito ao que foi o poeta . O eu poetico diz que foi aquilo que ele mesmo supomha ser e foi amado. Na expressão " o que eu fui " está em contraste com a anáfora " o que eu sou hoje " quarta estrofe - marca a antítese passado/presente .
   
    Na quarta estrofe o eu poético caracteriza o seu presente como um tempo degradado, de ausência, perda, vazio e solidão, um tempo sem sentido .

    Na quinta estrofe o poeta expressa um desejo impossível que era poder voltar ao passado .

    Na quinta estrofe verso 3 existe uma relação com a quarta estrofe :

     - Na infância o sujeito poético era feliz, mas nao sabia que o era, pois era uma criança e nao tinha a noção do que se passava a sua volta. Só no presente, em que já perdeu essa felecidade inocente da infância é que sabe que foi feliz.
     - O valor expressivo do Pretérito Perfeito na estrofe 3 afirma o passado completamente concluído, morto ;

     Na sexta estrofe a memória do passado sobrepõe-se ao presente. A expressão " vejo tudo outra vez " inicia a presentificação do passado que, assim, substituiu o presente. À euforia dessa presentificação do passado segue a disforía da tomada de consciência:
   
    -Tomada de consciência de que é possível recuperar a felecidade perdida da infância e de que o presente vazio é a única possibilidade. ~
   
     Valor anafórico e semântico das repetições mais significativas :
   
    - " No tempo eu que festejavam o dia dos meus anos"-  marca a tentativa repetida de reviver o passado e estabelecer uma espécie de circularidade .

     Nesta estrofe o poeta toma consciência de que é impossível recuperar a felecidade de que o presente vazio é a única possibilidade. Do confronto entre o passado e o presente, o que sobra para o futuro é a velhice.

    Na sétima estrofe na expressão " Ò meu Deus, meu Deus, meu Deus ! " - verso dramaticamente repetitivo e desesperado . Para além dos valores semânticos apontados, as repetições têm valor fónico, na medida em que conferem musicalidade ao poema, cadência.
   

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Fernando Pessoa - Intrevalo


Intervalo


Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado —
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?

Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?

Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?

Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?

Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca —
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 23 de março de 2012

O QUINTO IMPÉRIO - FERNANDO PESSOA

QUINTO IMPÉRIO

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!



Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz –
Ter por vida a sepultura.



Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!


E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.



Grécia, Roma, Cristandade,
Europa – os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?


 Este poema é constituido por cinco quintilhas, a sua rima aritemética é de sete versos ou seja uma redondilha maior, e o seu esquema rimatico é aabba.

  Na 1ª estrofe podemos verificar que o sujeito poetico começa por ironizar com aqueles que estão satesfeitos ou seja aqueles que nao acreditam no Quinto Imperio.

 Na 2ª estrofe reforça-nos a ideia da primeira estrofe, no entanto ele critica todos aqueles que apenas vivem à espera da morte e de certa forma não aproveitam a vida.

  Na 3ª estrofe o tempo é feito de períodos e já passaram muitas "eras" e o homem continua a revelar-se por ser descontente/infeliz ou seja, deseja sempre o conflito e a posse efémera das coisas, mas o poder das armas tem os dias contados pois uma Nova Era se aproximava.

 Na 4ª estrofe passados os quatro impérios ou idades, a terra verá nascer um Quinto Império. Este regresso ao seio materno, pode bem ser uma inteligente metáfora, do regresso às origens, a um Império Espiritual, depois da busca incessante da posse material.

 Na ultima estrofe podemos concluir que a Pessoa pede a aparição desse Império magno, da verdade feita símbolo, trata-se de um Império final, de fraternidade, que existirá para sempre.

 Assim, a estrutura da mensagem, sendo a de um mito, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte de um mundo; A morte que será seguida de um renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, o nascimento, a realização, ou a vida. O fim das energias latentes, ou a morte, essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre se passarão, e se repetirão, sempre as mesmas cenas mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto …

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Poema de Fernando Pessoa

Meu coração tardou

Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.

Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.

Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.